Quando abri a internet vi que comemora-se
hoje o Dia da Bailarina. Quis escrever algo a respeito... decidi começar dando
um Google pra ver o que se fala sobre esse ser sem pereba e sem irmão zarolho. Daí,
99% das imagens que surgiram foi de meninas parecendo princesas de contos de
fada, de tutu cor de rosa, com
sapatilhas de ponta, magras, elásticas e em posições que desafiam a gravidade. Ainda
curiosa, peguei o empoeirado e mofado Aurélio daqui de casa. E me diverti: ele
me disse que bailarina é o feminino
de bailarino (que, diga-se de
passagem, significa: “aquele que, por profissão, se dedica à arte do bailado”).
Depois resolvi consultar um dicionário mais atual, pra ver se haviam repensado
essa coisa do feminino enquanto uma variante do “padrão” – ou seja, do
masculino: “Mulher que dança por profissão; dançarina”, me disse o dicionário
online Michaelis, me deixando minimamente aliviada.
Com esse monte de clichês e sexismos
que encontrei, fiquei pensando afinal o que é que vem a ser essa coisa... de
ser bailarina.
Danço há mais de vinte anos, é
meu trabalho. Quase todas as vezes que perguntam a minha profissão e digo “bailarina”,
é sempre isso que ouço: “ai, que linda! É clássico??” E tenho certeza que nessa
hora a bailarina de tutu se
materializa na cabeça de quem me fala.
Eu gosto muito de questionar
categorias, desrespeitar fronteiras... acho que “porquê” é das palavras que
mais gosto, tenho muita simpatia pelo ponto de interrogação. Então, no dia da
bailarina, convido a todos a ampliarem seus horizontes: há bailarinas que, sim,
usam tutu;
outras usam tênis, outras dançam só
com as mãos, outras são descabeladas, algumas magras, outras gordas, outras altíssimas,
algumas nem enxergam, outras um dia já foram consideradas meninos, biologicamente
falando... e isso não faz nenhuma delas nem mais nem menos talentosa. Somos
seres por muitas vezes duplamente massacrados: por sermos (ou por termos nos
tornado, como disse Beauvoir) mulheres em um mundo machista e por quem acha que
temos que nos encaixar num padrão, num ideal de corpo e de movimento.
Parabenizo todas as bailarinas
(obviamente também aos bailarinos, mas a internet falou que hoje é dia delas,
então escrevo pra vocês depois, tá?), por saber o que nossa profissão nos
exige, por sentir na pele o que é nosso trabalho, de uma forma que esse meio tão
difícil nos demanda.
Ah, e Chico, você nos deve uma
nova versão de Ciranda da bailarina, pra colaborar com uma visão menos
idealista, ok?
Fabiana Dias
Pra comemorar, um trecho de “The cost of living”, DV8.
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